por Olívio Dutra
O ex-governador e presidente de  Honra do PT gaúcho faz uma análise profunda  dos caminhos tomados pelo  Partido dos Trabalhadores, desde sua fundação que teve  como impulso a  idéia de que o povo devia ser o sujeito de sua história, até a  chegada  de Dilma Rousseff a presidência da República.
Sempre fui desvinculado organicamente de estruturas políticas antes e, depois, dentro do PT. Não reivindico isso como virtude, mas não é tampouco um defeito, talvez uma limitação. Venho da vertente sindicalista que ajudou a fundar o partido.
Sempre fui desvinculado organicamente de estruturas políticas antes e, depois, dentro do PT. Não reivindico isso como virtude, mas não é tampouco um defeito, talvez uma limitação. Venho da vertente sindicalista que ajudou a fundar o partido.
Um  balanço do PT, como partido de esquerda, socialista e democrático, tem  de  vê-lo como parte da luta histórica do povo brasileiro, em especial  dos  trabalhadores, na busca de ferramentas capazes não só de mexer mas  de alterar a  estrutura de poder do Estado e sociedade brasileiros  marcada por privilégios  baseados no enorme poder político, econômico,  cultural de uma minoria. O PT  nasceu para lutar por uma sociedade sem  explorados e sem exploradores e  radicalmente democrática.
Antes  do PT, ainda no século XIX, surge o PSB, o primeiro partido de esquerda   do Brasil republicano. O movimento operário anarquista das primeiras  décadas do  século xx era avesso à idéia de um partido. O PC surge em  1922. O PT aparece  numa conjuntura de enorme agitação política  reprimida por uma ditadura militar,  fruto do golpe de 1964 que recompôs  as elites contra um populismo que já não  controlava mais as lutas  sociais.
Este populismo, iniciado  por Vargas e que inspira Jango e Brizola, era  dirigido por gente  ligada ao latifúndio “esclarecido”, um pouco na tradição dos   republicanos gaúchos- Julio de Castilhos, Borges de Medeiros – que   compartilhavam a idéia de que política não é para qualquer um, que o  povo  precisa de alguém que o cuide.
O  PT nasceu com a idéia de que o povo devia ser o sujeito de sua  história, o  que marcou os seus primeiros passos. Mas, à medida em que  conquistou mandatos em  vários níveis, a coisa foi ficando“osca”, suas  convicções e perspectivas foram  perdendo nitidez. Houve uma acomodação  na ocupação das máquinas institucionais  (inclusive no Judiciário).
Diante  desse processo o PT não se rediscutiu, não discutiu os efeitos dessa   adaptação à institucionalidade de um Estado e de uma sociedade que, para  serem  democráticos, precisam ser radicalmente transformados.
Assim,  o PT cresce quantitativamente – em 2011 temos três vezes mais   diretórios municipais, passamos de mil a 3 mil, em função de eleições e  do fato  de o partido estar no governo federal e em governos estaduais,  municipais, além  de ter eleito centenas de parlamentares nos três  níveis de representação.
E, bem  mais que as idéias ou mesmo o programa, o que mobiliza o partido,   ultimamente, são as eleições internas e externas. Somos todos  responsáveis por  isso: a política como um “toma lá, dá cá”,  confundindo-se com negócios,  esperteza,e a idéia de tirar proveito  pessoal dos cargos públicos conquistados.  E tem gente chegando no  partido para isso, favorecidos pelo discurso da  governabilidade mínima  com o máximo de pragmatismo político.
Mesmo  com os dois mandatos de Lula, demarcatórios na história de nosso país,o   Estado brasileiro não foi mexido na sua essência. O 1º mandato foi de  grande  pragmatismo, onde a habilidade de Lula suplantou o protagonismo  do Partido e  garantiu, para um governo de composição, uma direção,  ainda que com limites,  transformadora da política. A política de  partilhar espaços do Estado com  aliados políticos de primeira e última  hora de certa forma já vinha de  experiências de governos municipais e  estaduais mas ali atingiu a sua quinta  essência. No 2º mandato, ao  invés de o PT recuperar o protagonismo, diluiu-se  mais um pouco,  disputando miríades de cargos em todos os escalões da máquina  pública.
Quanto  à Dilma, ela é um quadro político da esquerda. Seu ingresso no PT,   honroso para nós, não foi uma decisão fácil para ela, militante  socialista do  PDT e sua fundadora.
O  PDT estava no governo da Frente Popular(PT, PDT, PSB, PC, PC do B) no  RS.  Veio conosco no 2º turno. No 1º turno sua candidata tinha sido a  ex-senadora  Emilia Fernandes. A relação do Brizola com o PT e com nosso  governo nunca foi  tranqüila. Tive de contornar demandas descabidas  para criar secretarias para  abrigar pessoas de sua indicação. Lembro o  quanto lutamos pela anistia e volta  dos exilados ainda durante a  ditadura. Ocorre que em 1979, quando Brizola  voltava do exílio, nós, os  bancários de Porto Alegre – eu era presidente do  sindicato da  categoria – estávamos em greve. Caiu a repressão sobre nós com   intervenção no sindicato e prisão de lideranças. Brizola permaneceu em  São Borja  no aguardo de que, com a prisão dos dirigentes, a greve  acabasse. Veio até  Carazinho, mas como a greve, apesar da repressão,  não terminara, voltou para São  Borja. A categoria tinha a expectativa  que ele, pelo menos, desse uma declaração  contra a repressão ao  movimento. Não se manifestou.
Quando  do governo da Frente Popular, em decorrência de o PT e PDT terem   candidaturas opostas à Prefeitura de POA(nosso candidato, eleito, foi o  Tarso  Genro), Brizola, como presidente nacional do PDT, fez pressão  para que  trocássemos os secretários pedetistas ligados ao “trabalhismo  social”: Dilma,  Sereno, Pedro Ruas e Milton Zuanazzi, caso contrário o  PDT deixaria o governo.  Não concordamos. Eles foram mantidos nos cargos  e com plena liberdade para se  decidirem sobre sua vinculação  partidária. Todos eles travaram uma discussão  intensa nas instâncias do  PDT e deliberaram desfiliarem-se e, posteriormente,  após nova  discussão interna, desta vez nas instâncias do PT, filiarem-se ao  nosso  partido. A Dilma, à época em que reabrimos a negociação sobre os   subsídios, favores tributários e renúncia fiscal para a Ford, estava  ainda no  PDT e, como Secretária de Minas e Energia do nosso governo,  participou da  construção da decisão que, séria, responsável e  republicanamente tomamos. Sua  postura determinada nessas e em outras  circunstâncias teem o nosso  reconhecimento, respeito e admiração.
Ela  tem clareza sobre como funciona o Estado e como deveria funcionar, sob   controle público, para ser justo, desenvolvido e democrático mas, a  composição  do governo é um limitador e ela não vai poder alterar as  estruturas arcaicas e  injustas do Estado brasileiro, coisa que o  próprio Lula, com toda sua historia  vinculada às lutas sociais da s  últimas décadas, não conseguiu fazer. Para mexer  nisso, tem que ser  debaixo para cima!
Então aí está o  papel do partido que não pode se acomodar. Nós, os petistas,  nos  vangloriamos de feitos em prefeituras, governos estaduais e federal.  Mas,  criamos mais consciência no povo para que se assuma como sujeito e  não objeto da  política?
Nas  eleições fala-se em “obras” e não se discute a estrutura do Estado, como   e quem exerce o poder na sociedade e no estado brasileiros, os  impostos  regressivos para os ricos e progressivos para os pobres, as  isenções, os favores  tributários, a enorme renúncia fiscal. Tem  prefeitura do PT que privatiza a  água, aceitando o jogo do capital  privado e a redução do papel do estado numa  questão estratégica como  essa.
O PT não se esgotou no seu  projeto estratégico,mas corre o risco de se tornar  mais um partido no  jogo de cena em que as elites decidem o quinhão dos de baixo   preservando os privilégios dos de cima. Nosso partido tem de desbloquear  a  discussão de questões estruturais do estado e da sociedade  brasileira da disputa  imediata por cargos. Essa discussão deve ser  feita não apenas internamente mas  com o povo brasileiro.
Realizar  Seminários onde se discuta até mesmo o papel e o estatuto das   correntes internas. Seminários com os lutadores sociais para discutir  como um o  partido com nossa origem e compromisso pode governar  transformadoramente sem se  apequenar no pragmatismo político.
A  lógica predominante, diante das eleições do ano que vem, é de  governarmos  mais cidades, mas qual a cidade que queremos? A imposta  pela indústria  automobilística, desde os tempos de JK, com ferrovias  privatizadas e sucateadas  e o rodoviarismo exigindo que o espaço urbano  se esgarce e se desumanize para  dar espaço para o automóvel  particular? Onde as multinacionais se instalam com  as maiores vantagens  do mundo e as cidades viram garagens para carros, onde  túneis,  viadutos e passarelas, cuja capacidade se esgota em menos de 10 anos,   tecem teias de concreto que mais aprisionam do que libertam o ser  humano?
O PT deve refletir sobre  suas experiências de governar as cidades . São  muitas e nenhuma  definitiva. O Orçamento Participativo não foi radicalizado ao  ponto de  ser apropriado pela cidadania como ferramenta sua para controle não só   de receitas e despesas, verbas para obras e serviços, no curto prazo,mas  sobre a  renda da cidade, sua geração e o papel do governo na sua  emulação e correta  distribuição social, cultural, espacial, econômica e  política. O Orçamento  Participativo tem que ser pensado não como uma  justificativa para a distribuição  compartilhada de poucos recursos mas  como gerador de cidadania capaz de, num  processo de radicalidade  democrática crescente, encontrar formas de erradicar o  contraste  miséria/riqueza do panorama de nossas cidades.
A  crise econômica mundial está longe de ser debelada e os países ricos  teem  enorme capacidade de “socializar” o pagamento dela com os países  pobres. No  chamado Estado de Direito Democrático o ato de governar é  resultado de uma ação  articulada e interdependente entre os Poderes  Executivo, Legislativo e  Judiciário. Ocorre que na sociedade  capitalista o Poder Econômico, que não está  definido na Constituição, é  tão poderoso e influente quanto todos aqueles  juntos. Portanto, a  confusão entre governo e esse poder “invisível” privatiza o  Estado e é  caldo de cultura para a corrupção.
Como  presidente de honra do PT-RS tenho cumprido agenda partidária, fazendo   roteiros, visitando cidades, participando de atos de filiações, ouvindo  as  lideranças de base e discutindo o PT. Sinto-me provocado  positivamente com esta  tarefa.
Mas  na estrutura que existe hoje o Partido é cada vez mais dependente,   inclusive financeiramente, dos cargos executivos e mandatos legislativos  que vem  conquistando. É difícil, pois, uma guinada, sem que haja  pressão debaixo para  cima sobre as direções , correntes, cargos e  mandatos. Assim como está o PT vai  crescer “inchando”, acomodando  interesses. A inquietação na base quanto à isso  ainda é pequena mas é  sinalizadora de que a luta para que o PT seja um partido  da  transformação e não da acomodação vale a pena.
(*) titulo criado a partir das afirmações do presidente de Honra do  PT/RS
FONTE: http://www.turcoluis.blogspot.com.br/2012/03/partido-dos-trabalhadores-o-partido-que.html
FONTE: http://www.turcoluis.blogspot.com.br/2012/03/partido-dos-trabalhadores-o-partido-que.html

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